Review de Livros: A Invisibilidade do Tradutor

capa do livro

Introdução

A Invisibilidade do Tradutor: Uma Historia da Tradução é um livro de tradutologia (o campo que estuda a teoria da tradução) por Lawrence Venuti originalmente lançado em 1995. Há uma segunda edição substancialmente revisada que foi publicada em 2008, mas esta crítica é voltada diretamente para a primeira edição.

Lawrence Venuti é Professor de língua inglesa na Temple University, Philadelphia. Ele é um teorista da tradução e historiador, além de tradutor; suas publicações recentes incluem Escândalos da Tradução, Por uma Ética da Diferença e The Translation Studies Reader, ambos da editora Routledge.

Resenha

(adaptado da página da Wikipedia e da Amazon)

Este livro representa um dos trabalhos mais estudados de Venuti, no qual o autor tenta traçar a história da tradução através dos séculos. Nele, ele descreve sua teoria que as chamadas "práticas domesticadoras" presentes na sociedade contribuíram para a invisibilidade dos tradutores na tradução. Ele afirma que restrições legais e culturais fazem com que um trabalho fiel seja definido parcialmente pela ilusão de transparência, de tal forma que tipos de tradução estrangeirantes ou experimentais estão sujeitos a encontrar oposição de editoras e grandes segmentos de leitores anglófonos que lêem pela inteligibilidade imediata. Isso leva a um clima no qual a fluência é a qualidade mais importante para uma tradução e todos os traços de estranheza ou divergência costumam ser propositalmente apagados.

Provendo uma contagem da história da tradução desde o século XVII até a contemporaneidade, Venuti demonstra como a fluência prevalesceu sobre outras estratégias de tradução para moldar o cânone de literaturas estrangeiras na língua inglesa e investiga as consequências culturais dos valores recipientes que foram registrados e simultaneamente escondidos em textos estrangeiros durante esse período. O autor localiza teorias e práticas tradutivas alternativas nas culturas britânica, americana e européia que têm a finalidade de comunicar diferenças linguísticas e culturais ao invés de removê-las.

Para Venuti, a fluência em si não deve ser rejeitada; ele crê que traduções devem ser legíveis. O problema é, na verdade, que as noções dominantes de legibilidade na tradução enfatizam uma forma extremamente limitada da língua para o qual se traduz, geralmente o dialeto padrão atual, independentemente da língua, formalidade, estilo ou discurso do texto original. Quando a fluência é alcançada por meio da forma padronizada ou mais utilizada da língua tradutora, é gerada a ilusão de que a tradução não é uma tradução e sim o texto fonte, e oculta-se a inevitável assimilação do texto a valores na cultura recipiente. Venuti observa dois principais modos de questionar ou prevenir esses efeitos domesticantes: um é escolher textos fonte que sejam contrários aos padrões de tradução existentes de línguas e culturas específicas, desafiando cânones na cultura que recebe; o outro é variar o dialeto padrão, experimentando com objetos linguísticos heterodoxos (dialetos regionais e sociais, coloquialismos e gírias, obscenidade, arcaísmo, neologismo), embora não arbitrariamente, levando em consideração as características do texto original. Esses métodos não devolvem o texto fonte sem intermediários; são estrangeirantes, construíndo um sentido do estrangeiro que é sempre já intermediado pelos valores culturais recipientes.

Apesar de sua invisibilidade, o autor declara o poder histórico dos tradutores: ele sustenta que as traduções forçaram alterações massivas no cânone literário ocidental e levaram a evoluções nas teorias literária e acadêmica com o passar do tempo, assim como influenciaram a visão das sociedades sobre culturas estranhas. Portanto, ele argumenta em prol de uma revolução no paradigma da forma com que os tradutores consideram seu papel, convocando-os para impedir a domesticação tradicional das traduções e permitir influências estrangeiras para infiltrar textos traduzidos. Essa posição o fez ser comparado com Antoine Berman.

Crítica

Agora que você acabou de ler a parte da resenha, vamos para a minha opinião sobre o presente livro, A Invisibilidade dos Tradutores. Esse foi um livro bem divertido de ler, não só porque ele traça a história da tradução, como também porque ele explana as teorias de tradução paralelas às convencionais, e me introduziu ao conceito de "tradução domesticadora" (ou seja, que assimila o texto à cultura da lingua para qual se traduz) e "tradução estrangeirante" (que valoriza as diferenças culturais entre os dois textos). No livro ele dá o ênfase no método estrangeirante exagerado, o que acaba por sacrificar a legibilidade. Traduções estrangeirantes quase sempre não são naturais, fora que a maioria das pessoas preferem ler traduções domesticadoras. O que você leria, uma tradução estrangeirante do japonês que usa honoríficos como "-san", "-chan" e "-kun" e parece coisa para otakus verem, ou uma que os domestica para pronomes de tratamento da língua portuguesa, como "Senhor" e "Senhora"? Os fãs de anime provavelmente iriam preferir a primeira opção, mas um tradutor profissional iria preferir a segunda. E vamos concordar que, se um profissional da tradução, um representante de uma editora, um revisor e/ou um crítico de livros não concorda com sua opinião de fã, é porque você provavelmente está errado. Ele possui mais crédito para falar desse assunto, afinal. :p Em sumo, traduzir de forma estrangeirante pode atrapalhar a comunicação.

Em segundo lugar, não vejo o motivo pelo qual adicionar valores locais ao texto traduzido é um problema. Se o processo tradutivo está fadado a resultar em uma violência etnocêntrica para com o texto traduzido, forçar uma leitura estrangeirante não seria esforçar-se em impedir o incontrolável? Seres humanos sempre são seres humanos, não importa em que espaço, cultura ou período histórico, o que significa que haverão diversas semelhanças entre a expectativa do leitor da lingua recipiente e o conteúdo explanado no texto, logo o dever da tradução domesticante é amplificar as semelhanças entre os dois textos. De certa forma, eu acabo concordando com a prática de tradução "humanista" proposta por Eugene Nida (outro autor que eu preciso ler). A impressão que me dá é que Venuti é arrogante, e só quer criticar os trabalhos dos outros tradutores. Ele frequentemente simplifica as táticas de tradução domesticadoras, tratando-as como se fossem intercambiáveis e idênticas umas às outras, o que não é verdade.

Terceiro, as propostas de tradução que Venuti traz, na minha opinião, acabam só se aplicando quando a língua de origem é da mesma cultura que a língua alvo, ou quando o texto traduzido é uma obra literária de gêneros específicos. Sei que parece xenofóbico dizer isso, mas quando as duas culturas são parecidas (exemplo, traduzir um texto em chinês para o japonês, ou do inglês para o português) as semelhanças são tão grandes que não há muita perda quando se assimilam os valores, e também não faz muita diferença usar o método estrangeirante pois os valores são praticamente os mesmos. Quanto ao fato de sua obra se focar em textos e não em outras formas de tradução, como os jogos e a multimídia, creio que sua visão acaba sendo extremamente limitada, como um túnel, principalmente porque eu pretendo me especializar em tradução de jogos ou filmes. Além disso, os exemplos de tradução levantados por Venuti são todas obras clássicas, como peças de Shakespeare ou poemas helenísticos. Isso demonstra que o metodo Venuti não se aplica a tudo.

Quarto, o livro está preso a uma noção da teoria de tradução retrógrada. Ele critica métodos de tradução desatualizados utilizados nos séculos XVII até XX que não representam a situação atual da tradutologia, e argumenta que os artificios tradutivos utilizados atualmente são exatamente os mesmos que eram usados antigamente. Na época que o livro foi escrito, as traduções automáticas ainda estavam engatinhando, e não existia ChatGPT. Espero que ele consiga escrever uma terceira edição do livro para refletir a inclusão das IAs e das ferramentas de tradução assistida.

A última falha que eu percebo no livro de Venuti é a falta de aplicabilidade proposta por ele. Muito do que ele levanta é pura teoria, sem muitos exemplos práticos de como traduzir. Eu entendo a importância de saber a vida pessoal do tradutor fulano que traduziu isso e aquilo outro, assim como entender o processo pelo qual a obra traduzida dele passou, mas eu acho que faria muito mais sentido se o texto além de teoria trouxesse mais prática. Venuti acaba sendo prolixo e demora para passar a mensagem que ele quer.

Conclusão

A Invisilibidade do Tradutor tem sido fonte de muita discussão - e às vezes críticas - entre especialistas da tradução. Todavia, o livro entrou em larga escala no cânone dos estudos de tradução e é frequentemente leitura obrigatória para estudantes da tradução. É importante reconhecer que as falhas acima não necessariamente invalidam a importância da leitura do livro. E mesmo que eu não tenha concordado com a opinião do autor, isso não fez do livro uma perda de tempo para mim.


Website © Chatterine 2022-.